Imagem meramente ilustrativa
O
conceito de soberania teorizado por personalidades como Jean Bodin,
Jean-Jacques Rousseau entre outras, sempre suscitou importantes controvérsias em
variadas épocas. Contudo, soberania
terminou por representar, sobretudo a igualdade jurídica entre os Estados, e a
sua consolidação lançou as bases para o estabelecimento de normas
internacionais, onde os Estados são responsáveis por suas próprias escolhas no
âmbito interno e externo.
Tradicionalmente,
soberania significa, no âmbito
interno, a superioridade das diretrizes estatais nas diversas esferas sociais;
e, no âmbito externo, a idéia de igualdade entre as nações. Assim, aquela palavra
remete ao sentido de paridade entre os Estados, bem como a afirmação destes no
sentido de defesa dos seus interesses e, particularmente, de resguardo dos
interesses dos seus nacionais.
Chamou-me
a atenção a roupagem que se está conferindo ao termo nos últimos tempos.
Sabe-se que a soberania pode ser
invocada para justificar vários atos do Poder Público e também das pessoas
privadas. Hoje é lugar-comum dizer que a única forma de se prosperar economicamente
é aderindo aos ditames da globalização, esta vista sob o seu viés mais
insensato, e de todo o processo que ela representa. O resultado disso, muitas
vezes, é a perda da essência da soberania nacional, no sentido de se admitir
interferências externas no gerenciamento dos recursos estatais, tudo
devidamente justificado pelas já internalizadas noções de interdependência
entre as nações, e de globalização econômica infalível e única.
Desse
modo, imergimos num sistema essencialmente assimétrico, que produz benefícios
para poucos, e ilude a muitos. Mas embarcamos nesse enredo, talvez por falta de
condições de formarmos outro.
Hoje,
atos ou empreendimentos ambientalmente duvidosos, sob o aspecto da
sustentabilidade, são fundamentados e firmados com base em “razões de
soberania”. Traduz-se: “os estrangeiros já dilapidaram o seu patrimônio, e
agora não querem deixar que dilapidemos o nosso. Somos um Estado soberano! Não
podemos permitir isso!”
Num
contexto apartidário, o Brasil tem um histórico onde as grandes obras públicas
são erguidas em nome da já cediça idéia de crescimento econômico, cujas
benesses se estende a poucos, já que ainda somos um país marcado ferozmente
pela desigualdade - muitas vezes sem grandes ponderações de ordem ecológica ou
social, num processo onde famílias e tradições são desprezadas; licenças são
compradas; o dinheiro público é freqüentemente desviado, fatos estes noticiados
pela imprensa e documentados em ações movidas pelo Ministério Público.
Por
isso, talvez devêssemos conceber os grandes projetos “desenvolvimentistas”, no
mínimo com maior cautela, já que normalmente tais empreendimentos envolvem
grandes impactos sociais e ecológicos, e estes últimos são, em sua maioria,
irreversíveis.
Talvez
devêssemos flexibilizar o conceito tradicional de soberania, trazendo-o para o sentido de gestão com consciência e
ética, desenvolvendo-se uma cultura de responsabilidade com relação ao que
construímos, e com o que se propõe construir, ponderando-se os custos e
benefícios envolvidos. Quiçá essa faceta da palavra nos seja mais útil na
construção de uma sociedade mais original, numa atitude que privilegie o bem
comum e não a grupos restritos ou ao capital externo.
Àqueles
que utilizam a tão necessária idéia de soberania
para justificar a degradação e o empobrecimento (nos mais variados sentidos) do
nosso país, e da sua população – contraponho a idéia de afirmação da soberania para a proteção dos povos e do
seu meio, e da soltura dos grilhões de uma economia externa abstraída de
ponderações de ordem sócio-ambiental interna, e que afeta negativamente um povo
nobre de uma terra rica.
Por fim, ser um Estado soberano é
reforçar a sua singularidade, realçando o que se tem de melhor, e adaptando as
suas características para aprimorar ainda mais as condições de vida da
população, ao contrário de se repetir, orgulhosamente e soberanamente,
equívocos do passado seja desta ou de outras nações.
Nota:
O presente texto nos foi encaminhado pela
sua autora, Professora Patricia Bianchi, Doutora em Direito Ambiental e Mestre em
Relações Internacionais pela Universidade de Santa Catariana.
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