Já abordamos em post anteriormente publicado neste blog que a educação não é tratada com seriedade em nosso país. Além da falta de investimentos, a política educacional está apenas direcionada para aspectos quantitativos, não garantindo, por meio da qualidade, o progresso técnico-científico e, consequentemente, econômico da nação. Prova disso o recente Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), cujo fator educação foi responsável pelo nosso país seguir atrás no ranking de países como Cazaquistão, Kuwait, Bósnia e de muitos outros da própria América Latina – Chile, México, Peru e Argentina.
A falta de seriedade de que falamos é também confirmada mais uma vez com a realização de uma nova edição do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), já maculado anteriormente pela quebra do sigilo das provas e pelos vazamentos de dados confidenciais dos candidatos.
As constantes falhas ocorridas nas edições do ENEM caracterizam que a Administração Pública, no caso representada pelo Ministério da Educação (MEC) não está cumprindo os princípios da legalidade e da eficiência.
Reza o Art. 37 da Constituição que a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O renomado Hely Lopes Meirelles (1) sobre a eficiência como um dos deveres da administração, assim lecionou:
"o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros".
Já Alexandre de Moraes (2), define o princípio da eficiência como aquele que:
"impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social."
Além de pairar no ar que os princípios da igualdade e da eficiência não foram observados pelos agentes públicos na realização da edição 2010 do ENEM, já há jurista que entende que o princípio da legalidade também não foi observado, eis que não disponibilizando os materiais indispensáveis a realização do certame, houve violação ao princípio da legalidade, pois se praticou atos sem base em norma jurídica e indo de encontro ao edital do concurso."... agiu corretamente a Juiza da 7ª Vara Federal do Ceará que acatando argumento do Ministério Público Federal determinou a imediata suspensão do ENEM 2010 em todo o Brasil, entendendo que os erros já do conhecimento de todos levou prejuízo aos candidatos. Segundo notícia publicada na imprensa “a disponibilização do requerimento aos prejudicados pelos erros no caderno amarelo e a intenção de realizar novas provas não resolvem o problema; e novas provas poriam em desigualdade os candidatos remanescentes”.
Segundo noticiário o ministro da Educação, Fernando Haddad, descartou a necessidade de anular as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aplicadas nesse fim de semana. O MEC (Ministério da Educação) está levantando o número exato de estudantes que foram prejudicados por um erro de montagem nos cadernos de prova amarelos. A estimativa inicial é que a falha teria atingido 2 mil candidatos, mas até o momento os casos apurados são em número inferior. Para o ministro Haddad o método estatístico utilizado no Enem, a TRI (Teoria de Resposta ao Item) permite elaborar provas diferentes com o mesmo nível de dificuldade. O ministério vai tentar convencer a juíza de que não é necessário anular a prova.
Todavia a aplicação de uma nova prova para aqueles que foram prejudicados ou a correção das mesmas com outro critério é contestada por muitos. Nesse sentido foi o pronunciamento do Presidente da OAB:
“...a sinalização do INEP não é suficiente para que o direito dos inscritos esteja garantido. Segundo ele, o MP deve investigar se o erro pode “redundar em um comprometimento do rendimento dos alunos” e, caso não seja possível aproveitar a prova já feita, o caminho é a anulação e reaplicação do exame. Não se pode ter sobre o exame qualquer tipo de dúvida a respeito de sua credibilidade. A simples declaração de que vai ser feita uma correção diferente para quem foi prejudicado tem que ser tomada com certa reserva. É necessário que haja uma verificação por parte do MP de como isso vai ser feito, até porque milita contra o exame uma carga de incompetência e falta de cuidado na confecção da prova”.
Além dos erros de impressão de alguns cadernos de respostas do ENEM 2010, ficou comprovado que o princípio da eficiência também foi desrespeitado na aplicação das provas. Um fiscal que aplicou as provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2010, em Recife, Pernambuco, contou ao UOL Educação (4) os problemas enfrentados pelos candidatos no primeiro dia do Enem e questionou a maneira como as informações foram passadas. Disse o fiscal:
“Os alunos foram direcionados a marcar o gabarito mesmo a prova estando sem nexo algum. Eles [da equipe de coordenação] confirmavam que nenhum aluno seria penalizado por aquilo, e que as respostas em branco seriam adicionadas às suas notas, já que faltaram questões na prova. Houve irritação de alguns candidatos que estavam com provas de outras cores”.
O ENEM é hoje considerado a porta de entrada mais democrática e justa que existe para ingresso em uma universidade pública. Democrática porque iguala a todos indistintamente. Justa porque prima pela inteligência e esforço na seleção para ingresso no ensino superior público, consistindo em sonho e esperança da juventude brasileira. Por isso, por se tratar de uma espécie de concurso público, deve estar ele vinculado ao princípio da impessoalidade e da isonomia, positivado nos arts. 5º e 37 da Constituição Federal, que justamente tem por escopo dar o direito de todos os candidatos competirem em pé de igualdade, sem favorecimentos, a uma vaga na universidade pública.
Por tudo isso, e inconcebível que a cada edição do ENEM ocorram erros em detrimento de um universo muito grande de estudantes, caracterizando a falta de eficiência dos gestores públicos responsáveis pela sua realização. Embora seja irrelevante se a falta de eficiência caracterizou-se por atos praticados diretamente por agentes públicos ou por terceiros (no caso de terceirização dos serviços), no caso ora em comento, o próprio Ministro da Educação já admitiu que os erros foram dele próprio (INEP) e não da gráfica contratada para realizar a impressão das provas.
Estando a questão sub judice, espera-se que o Poder Judiciário encontre uma solução apolítica que venha atender os anseios dos estudantes brasileiros. Vale lembrar que o TRF1 – ao analisar o Mandado de Segurança MS 43839DF 2007.01.00.043839-9, Relator Desembargador Federal Leomar Barros Amorim Souza, assim se pronunciou em caso semelhante:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ERRO DE IMPRESSÃO NO CADERNO DE PROVA. ANULAÇÃO DE TODAS AS PROVAS. PRESERVAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE PROVIMENTO PREVISTOS NO EDITAL. FORMAÇÃO DE LISTAS. APLICAÇÃO DE UMA ÚNICA PROVA PARA A MESMA CATEGORIA FUNCIONAL. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA VINCULAÇÃO AO EDITAL E DA ISONOMIA. SEGURANÇA DENEGADA.1. Diante da existência de erro de impressão em alguns cadernos de prova, mostra-se legítima a anulação de todas as provas objetivas para o cargo de técnico judiciário, com vista a preservar a isonomia entre os participantes (mesma prova para a mesma categoria funcional) e possibilitar à Administração o cumprimento de regra de provimento prevista no edital (feitura das listas classificatórias).2. Hígida a anulação da primeira prova, não há que se falar em direito à manutenção da nota nela obtida.3. Segurança denegada.
Diante de tudo isso e de se esperar que o MEC anule a versão do ENEM 2010, evitando que o tempo perdido com a instauração de procedimentos administrativos a procura de quem errou e de buscar via judicial a manutenção do referido exame, venha prejudicar ainda mais aqueles que o realizaram na esperança de buscar um lugar em uma das universidades públicas, pois algumas dessas instituições já sinalizam que poderão deixar de utilizar a nota do ENEM 2010 caso a indefinição possa prejudicar os seus calendários letivos.
Concluímos com a frase de Fernando Lapolli:
“Do que adianta achar o culpado, se o problema continua sem ser resolvido”.
Fontes:
1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998
2. MORAES, Alexandre de: DIREITO CONSTITUCIONAL. 6ª ed. –São Paulo, Atlas, 1999.
3. PINHEIRO, Michel. juiz de Direito no Ceará, mestrando em Direito pela UVA/UFPE
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