26 de agosto de 2010

Pai afaste de mim este "cale-se"

O hábito de ler bons jornais e revistas está se tornando uma tarefa impossível para os brasileiros que procuram informação em um veículo que pratica jornalismo independente, não partidário e tenha sua linha editorial voltada exclusivamente para o interesse público. A postura de dependência dos veículos de informações é em parte justificada pelo fato de que elas hoje são reféns de verbas e informações privilegiados dos atores públicos. Se não temos mais a censura clássica, largamente utilizada nos tempos da ditadura militar, por outro lado a autocensura se faz presente quando a própria imprensa cria mecanismos de controle do que é veiculado, movido por interesses políticos, econômicos e pessoais.

Se no passado a censura oficial determinou o fechamento de vários veículos de informação, pois o objetivo dos censores era o de não deixar passar nada que pudesse ser do interesse dos leitores, verificamos que hoje o a autocensura já afasta leitores que querem receber críticas, opiniões e a divulgação dos fatos com a maior isenção e imparcialidade possível.

Além da autocensura existente nas redações dos veículos de comunicação, não se pode deixar de falar também da auto-regulação, que nada mais senão os princípios gerais e pessoais que cada jornalista possui e aplica naquilo que veicula. Não se pretende que o jornalista seja imparcial, mas sim independente para que os fatos noticiados não sejam manipulados. Nesse sentido vale citar Chaparro, que em seu blog, assim se manifestou: “a palavra-chave da confiabilidade do jornalismo não é imparcialidade, mas independência, sem a qual é impossível fazer jornalismo crítico e honesto”.

No início deste post falamos que a censura na sua forma clássica foi vedada pela nossa Constituição de 1988, pródiga em relação aos direitos fundamentais do cidadão, estabelecendo a liberdade de expressão das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura e licença. O nosso texto constitucional, pela primeira vez, em capítulo especial, tratou da Comunicação, dispondo que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, vedando, pela segunda vez no seu texto, qualquer censura de natureza política, ideologia e artística.
Temos, portanto, uma Constituição que nos assegura a plena liberdade de imprensa e que veda textualmente a censura. Mas a censura, nas suas diversas vertentes efetivamente acabou com o fim da ditadura militar?

Entendemos que não, e muitos também pensam assim.

Por resumir bem essa questão, vamos citar Fernando Paiva, que no seu blog Dissonância. com, assim se manifesta: “Saíram os militares e entraram as empresas e os governantes que compram espaço publicitário e, portanto, sustentam os veículos de mídia. Não se trata mais de uma censura escancarada, com a presença física de um censor nas redações. Tampouco de uma censura imposta: ela agora é acordada com os donos dos jornais. Trata-se de algo como: ‘eu anuncio aqui, então não fale mal de mim em seu jornal’. A ordem vem da diretoria, passa pela chefia de redação, mas nem sempre chega de maneira clara e explícita aos repórteres, que só começam a vislumbrar a lista invisível de intocáveis quando algumas de suas sugestões de pauta são vetadas sem explicações pertinentes. Não é possível afirmar que essa censura aconteça em todos os jornais, porém, é muito mais comum do que os leitores imaginam”.

Não bastasse tudo isso, um movimento latente em alguns países da América do Sul, com os quais o nosso governo mantém estreita relação política e de amizade fraterna, a censura já tem sido implantada apesar de negada pelos seus governantes. Essa ameaça, de forma ainda camuflada, já pode ser sentida no Brasil e é ratificada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) que, em uma das suas últimas reuniões, realizada no Paraguai, emitiu um relatório demonstrando que a liberdade de imprensa se deteriorou no hemisfério sul, destacando a atitude hostil de alguns presidentes em relação à mídia. Dentre eles, o Brasil é citado .

No mesmo sentido a última CONFECOM – Conferência Nacional de Comunicação -, evento subsidiado com verba pública, apesar de ter apenas caráter deliberativo, aprovou a criação do Conselho Nacional de Comunicação, bem como dos conselhos estaduais, distrital e municipais, que funcionem com instâncias de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações no país.

Para aqueles que ainda acham que estamos exagerando em nossas previsões, sugerimos uma leitura atenta do Programa Nacional de Direitos Humanos, instituído por Decreto Presidencial em 21 de dezembro de 2009. Nele consta uma proposta de criação de uma comissão para monitorar o conteúdo editorial das empresas de comunicação e decidir pela outorga das concessões de rádio e TV. E mais, no primeiro plano de governo da candidata à Presidência do PT, protocolizado junto ao TSE está expressa a sua intenção de restringir a liberdade de imprensa no Brasil. Por força de orientação dos marqueteiros da campanha daquela candidata, o referido plano foi retirado para passar por reformulação!!!

Não bastasse tudo isso, os meios de comunicação têm sido constantemente interpelado de todas as formas pelo Poder Judiciário na tentativa de impedir que alguns jornalistas exprimam livremente as suas opiniões. Cita-se, dentre outros, o caso recente no qual o TSE mandou retirar um texto de Arnaldo Jabor publicado num site da CBN. Da mesma forma, é o caso do jornal O Estado de S. Paulo que está há meses sob censura, não podendo publicar denúncias que apurou contra o filho do presidente do Senado. Com relação à censura imposta ao jornal O Estado de São Paulo a repercussão internacional foi dada pelo O The New York Times que assim noticiou: "no Brasil, juízes continuam se curvando aos poderosos para censurar jornalistas".

Apesar de tudo isso, tímidas são a nosso ver as manifestações dos jornalistas, entidades representativas de classe e veículos de comunicação diante da visível tentativa de restaurar, ainda que com “pele de camaleão”, a censura em nosso país.

Uma luz acedeu no fim do túnel: um grupo de humoristas, inconformados com uma Resolução do Tribunal Superior Eleitoral que os proíbe de falarem sobre os políticos durante o período eleitoral realizaram uma passeata denominada “Humor Sem Censura”, na Praia de Copacabana. O TSE esclareceu que não criou nenhuma restrição nova aos programas de rádio e televisão, inclusive aos humorísticos, além das existentes na Lei das Eleições editada em 1997. Temos que convir que a nota daquele Tribunal está correta, todavia, a cobrança com base naquela lei só ocorre agora numa demonstração evidente de que algo estranho está ocorrendo. Nas eleições passadas, já vigente a referida lei, houve a mesma restrição? Quem responde é Cláudio Manoel, do Casseta e Planeta, ao lembrar que o grupo já estampou capas de revistas com montagens com os ex-presidentes José Sarney com cinta-liga e Fernando Collor "de bunda de fora" e que "não houve nenhuma ameaça". Embora a determinação seja do TSE, outro Casseta, Marcelo Madureira, afirmou que sua aplicação "reflete esse momento de 'hegemonia petista', em que não temos oposição".

Em razão disso, a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a inconstitucionalidade de artigos da Lei Eleitoral que proíbem a exibição, nos três meses anteriores às eleições, de programas que ridicularizam candidatos. A relatoria é do ministro Ayres Britto. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, conceda de imediato a liminar e julgue procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (AdIn) suspendendo a vigência dos incisos II e parte do III do Art. 45 da Lei Eleitoral por ferir a liberdade de imprensa.

Além de tudo que já foi abordado, não podemos concluir sem antes demonstrar nossa preocupação com os conflitos que do exposto decorre entre o Poder Judiciário e a imprensa no nosso país, aspecto que como afirma o ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não deveria ocorrer pois, “O Judiciário e a imprensa têm uma responsabilidade imensa sobre a conquista e a manutenção do Estado Democrático de Direito, porque, sem uma imprensa livre e sem um Judiciário independente, não conseguiremos ter uma democracia plena. E, por mais que algumas vezes haja uma relação conflituosa entre a imprensa e o Judiciário, há uma interdependência muito grande entre essas duas instituições, porque, em última análise, ao fim e ao cabo, o Judiciário é quem garante a liberdade de imprensa e, nos momentos de crise, de pressões que o Judiciário sofre, é a liberdade de imprensa que garante a independência do Judiciário”.

Só esperamos que a música de Chico e Gil “Pai afaste de mim este cálice”, não volte as paradas de sucesso em nosso país.

Referências

Alberto Dines,, in O Papel do Jornal: uma releitura, nos ensina que autocensura é o meio pelo qual a própria imprensa cria mecanismo de controle movidos por interesses políticos, econômicos e pessoais.

http://www.oxisdaquestao.com.br/integra_integra.asp?codigo=326

No relatório final da SIP, destaca-se a preocupação com a atitude hostil dos presidentes da Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Uruguai, diz o La Nación. http://knightcenter.utexas.edu/blog/?q=pt-br/node/3362

Edição de 31 de agosto de 2009.

Editado com base na Lei Eleitoral n. 9.504/97

http://www.direitolegal.org/artigos-e-doutrinas/cesar-rocha-diz-que-democracia-plena-exige-judiciario-independente-e-imprensa-livre/

Um comentário:

  1. Excelente artigo prof. Franco!! Já envie o material para duas alunas do curso de jornalismo.
    Espero que elas aprendam como se faz...rs

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