O economista Cláudio de
Moura Castro nos oferece mais um dos seus brilhantes artigos sobre os caminhos
percorridos pela educação brasileira. No que abaixo produzimos, publicado no
site Espaço Vital, ele fala sobre a intenção do MEC em não mais autorizar a
abertura de cursos de Direito no país.
Vale a pena ler Cláudio de
Moura Castro:
Quando parecia sepultada e descansando de uma vida maldita, exuma-se a ideia de
que o Estado deve regular a oferta de cursos superiores privados. Ou seja,
impedir que os incautos proprietários de faculdades invistam errado, pois o MEC
sabe onde está o mercado para advogados ou médicos.
Pensemos: quem sabe de mercado, o dono da faculdade que arrisca sua empresa ou
um funcionário do MEC, pontificando sob o manto da impunidade - e sabe-se lá
com que agenda latente?
Em Brasília, o representante de uma associação médica declarou: "Não há
mais mercado para médicos, assim mostram os indicadores da OMS".
Ironia do destino, nesse evento, falou antes dele Jarbas Passarinho. Narrou
que, em sua gestão como ministro da Educação (1970), foi procurado pela mesma
associação, ouvindo idêntica afirmativa. Desde então, o número de faculdades de
Medicina cresceu quatro vezes. O mercado deveria estar ainda mais saturado,
pois a população cresceu muito menos. Contudo, não há estatística sugerindo
saturação dos mercados. Pelo contrário, a carreira é recordista de candidatos
por vaga.
Se novas faculdades fossem para onde há poucos doutores por habitante, não
existiriam os grandes centros médicos. E as escolas localizadas em regiões
pobres formariam profissionais de qualidade ainda pior (o papel de andar na
contramão do mercado é para o ensino público).
Como definir se um mercado está saturado? Pela teoria econômica, será o caso se
os salários dos graduados não são comensuráveis com os custos de estudar ou, no
limite, se eles estão desempregados. Segundo as pesquisas, quatro anos de
faculdade dobram os salários e não há desemprego significativo nesse nível.
No passado, esperava-se que os profissionais fossem para empregos cujo nome se
assemelhava ao do curso. Hoje, tal como nos países ricos, ocorre a
"desprofissionalização" dos diplomas. Exercem a profissão menos de
20% dos advogados, 10% dos economistas e 5% dos filósofos. Haveria que cortar
95% das matrículas em filosofia? Não, pois os quatro anos de graduação se
converteram, para a maioria, em uma educação "genérica", que
prepara para exercer ocupações meio indefinidas. Nada errado.
Os lobbies médicos disfarçam a retranca na abertura de cursos como proteção da
qualidade. Pura falácia - mal escondendo um conluio entre governo e
corporativismo. Em vez de definir a geografia da demanda, o certo é impor
padrões de qualidade rígidos aos novos cursos. E, sem apertar o cerco aos
cursos e profissionais ruins que aí estão, adia-se para a próxima geração um
atendimento correto. Ou seja, fechar a torneira dos novos cursos é apenas
garantir o monopólio dos velhos, livres da concorrência de intrusos.
A boa solução é conhecida de todos e temida pelos menos confiantes na sua
competência: filtrar pelo Enade. E também por exames de ordem para médicos -
como fazem os advogados. Assim se faz nos Estados Unidos e nessa direção
caminha o Estado de São Paulo.
A prova da OAB é uma bela solução. Formam-se muitos bacharéis em Direito.
Alguns vão vender terrenos, outros trabalharão na empresa do pai. Os melhores
passam nas provas da Ordem, assegurando um nível mínimo de competência nas
cones de Justiça. Todos ganham.
Curiosamente, há na OAB quem não abençoa o seu belo sistema e quer fazer a
mesma besteira das associações médicas: restringir a criação de cursos,
decretando onde não há demanda. No mundo real, quem acha a demanda são os novos
advogados e médicos, não os governos e lobbies. Se fossem piores os mercados
nas regiões pobres, mesmo os profissionais que lá se formassem tampouco
ficariam.
Para melhorar a qualidade dos cursos, há o Enade e outras provas, em paralelo a
um acompanhamento rigoroso do MEC. A retranca para a abertura de faculdades -
como ocorre hoje no ensino à distância - em nada beneficia a qualidade, embora
impeça a saudável concorrência entre os cursos. Não passa de uma ação visando a
beneficiar financeiramente quem já entrou, sejam faculdades, sejam
profissionais. Protege o interesse deles e não da sociedade.
Fonte: www.espacovital.com.br