7 de abril de 2011

É dando que se recebe!


Charge de Gerson Kauer


Era início de inverno. O profissional liberal - cinquentão, madurão, conhecido, figura seguidamente entrevistada em programas de tevê - foi a uma loja no shopping e ficou encantado com todos os atributos da vendedora de 22 anos da loja de roupas masculinas.

Não demorou semanas e eles estavam com namoro engatado - ele a pedir que ambos fossem morar juntos. Ela condicionando uma "recompensa antecipada": um automóvel que vira numa revenda de importados bem próxima.

Dás; não dou; talvez te dê; se me dás também te dou; dei uma vez; também vou te dar. Assim foi o quadro.

Houve até quem lembrasse uma frase de José Sarney: "é dando que se recebe"...

E por aí se foram os dois negociando ao longo de duas semanas, até que se acertaram.

Início de uma noite hibernal, o homem buscou a moça no trabalho e cinco minutos depois ambos estavam na loja de carros. O vendedor habilidoso serviu um apetitoso quentão feito com vinho da serra gaúcha, para espantar o frio. Uma hora depois o negócio estava fechado. Pagamento à vista e o carro em nome dela.

A partir de então, já namoro efetivado, os dois foram morar juntos - mas o idílio não durou 90 dias. Ela bateu em retirada, levando o carrão. A desavença foi a Juízo, não como demanda de família, mas como ação de reintegração de posse e propriedade. O juiz da causa, por cautela, mandou apreender o veículo.

Meses depois, o mesmo magistrado reconheceu: "a jovem recebeu o carro pela via de um estratagema, e, assim, não é sua legítima proprietária". Ordenou, então, que se devolvesse o carro ao homem, pois - afinal ele fora o pagador.

Os autos foram ao tribunal. A câmara julgadora concluiu diferente. O relator acolheu a tese da encantadora jovem: "de tanto ser assediada, foi persuadida a manter uma relação amorosa com ele que, por livre e espontânea vontade, presenteou-a com um veículo, não sujeitando tal doação a qualquer condição, tornando irrevogável o ato, razão pela qual ela é a legítima possuidora e proprietária do bem".

Em regime de discussão, os dois outros julgadores afastaram as diferenças de idade, intelectuais, financeiras etc. como fatores para a solução do litígio. "Tais componentes são presença constante em grande percentual das relações sentimentais hodiernas" - disse o revisor.

O outro magistrado ironizou o dito pelo profissinal liberal acerca de que, ao comprar o veículo, "estava em situação de quase embriaguez, pelo pouco sono dormido e pelo consumo farto de quentão na loja de carros". O acórdão concluiu que "essas assertivas, ainda que sob as luzes do judicializado, beiram ao hilariante".

O caso chegou ao STJ, de onde voltou há pouco. "Deve-se afastar a hipótese de doação condicionada a casamento futuro" - disse o ministro relator. Em outras palavras: a jovem dera o que era dela porque quis; e o homem dera o carro comprado com seu dinheiro também porque quis.

Conta-se que o profissional teria tomado, já, três decisões. Primeira: não mais terá namoradas jovens. Segunda: não mais comprará automóveis importados. Terceira: jamais voltará a beber quentão - que é bebida de pobre...

Nota:
Essa história foi publicada no site Espaço Vital
www.espcovital.com.br
reprodução autorizada pelo site

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