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Todo operador de Direito e estudantes deveriam ler e conhecer Hans Kelsen, e a sua teoria pura do direito.
Vejam o que diz sobre ele, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Antonio Dias Toffoli:
Não há
um Prêmio Nobel para o direito. Mas, se ele existisse, seu primeiro ganhador
deveria ter sido o jurista Hans Kelsen, como bem afirma Mathias Jestaedt.
Noções
como hierarquia das normas, jurisdição e tribunal constitucional, monismo
jurídico e natureza dos tratados internacionais, tão corriqueiras hoje em dia,
encontram sua gênese ou seu desenvolvimento original no pensamento desse homem,
sem favor, o maior expoente do direito no século 20.
Em
2011, comemora-se o centenário do nascimento da famosa teoria pura do direito,
cujos fundamentos assentam-se na hierarquia normativa, tendo a Constituição por
ápice de uma pirâmide de regras jurídicas, e na metodologia que dispensa,
embora não lhe negue importância, o recurso a elementos metafísicos.
O
estudo das ideias kelsenianas é bastante difundido no Brasil, país onde ele
adquiriu, desde cedo, uma significativa parcela de seguidores.
No
entanto, a vida e as circunstâncias de Hans Kelsen permanecem desconhecidas, a
ponto de até hoje vicejarem lendas e inverdades sobre quem foi e como pensava
esse filósofo do direito.
A
redescoberta de Kelsen e de sua obra, a partir de sua riquíssima história de
vida, é agora possível ao leitor brasileiro, com a publicação de sua
"Autobiografia", um texto de 1947, mas que permaneceu oculto até
1992. A vida de Kelsen é comovente e em muito se assemelha a um romance, uma
narrativa que se confunde com a história do complexo século 20.
De
origens judaicas, oriundo de uma família pouco abastada do leste do Império
Austro-Húngaro, ele se formou em direito com o objetivo de se rebelar contra os
desígnios do destino. Em 1911, publica "Principais Problemas de Teoria do
Direito Público", aos 30 anos de idade, obra em que toda a sua genialidade
se revela. Atua na Primeira Guerra Mundial e no que ele chamou de
"processo de liquidação" do Império como principal assessor jurídico
do imperador.
Redige
grande parte da Constituição da jovem República da Áustria, cria seu tribunal
constitucional, do qual foi membro por dez anos, e lança os fundamentos da
moderna jurisdição constitucional.
Torna-se
professor titular na Alemanha, de onde é demitido com a chegada ao poder de
Adolf Hitler.
É
perseguido por sua origem judaica e emigra para Genebra, Praga e, por fim, para
os EUA, onde encontra, em suas palavras, "o último refúgio de um viajante
cansado".
Ele
encerra em si a grandeza e as contradições de seu tempo. Judeu em período
antissemita, refunda as bases jurídico-políticas de sua terra natal. Teórico
disciplinado, é singular em suas ideias, mas vive envolto em dificuldades
financeiras.
Maior
jurista de seu tempo, termina seus dias em uma faculdade de ciência política da
Universidade Berkeley, lecionando para alunos pouco afeitos à tradição do
direito.
Grandioso
em seus escritos, soube ser magnânimo em sua conduta pessoal, especialmente
para com seus inimigos.
Conhecer
Kelsen é aprender muito sobre o Brasil, sua Federação e o modo como nossas
instituições, inclusive o Supremo Tribunal Federal, são organizadas. E, a
partir de agora, é também conhecer as circunstâncias nas quais seu pensamento
foi forjado.
No
centenário da teoria pura do direito, os juristas, e não apenas esses, podem
redescobrir esse homem tão importante para a ordem jurídica contemporânea.
Em uma
era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas, é reconfortante olhar para
o horizonte e enxergar um porto seguro nas teorias de Kelsen.
Autor(a): JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI
Ministro
do Supremo Tribunal Federal
Fonte: Folha de São
Paulo, 15 de agosto de 2011
18/8/2011
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