Dra. Patricia Bianchi
Há muito tempo não assisto a mídia
televisiva. Por opção, tenho me informado por veículos impressos que reputo de
maior credibilidade. Contudo, há alguns dias, no intuito de ver uma informação
específica - que, a propósito, foi apresentada apenas no final do programa – em
frente à televisão presenciei um verdadeiro show de horrores.
Tratava-se de um dos noticiários de maior
audiência do país, cuja credibilidade é pouco contestada pela população em
geral. Nele, tive a oportunidade de - com minha família, em meu lar – ver ao
vivo e em cores as mais variadas tragédias humanas, feridas expostas de uma
sociedade que parece se alimentar da escória e dos dramas sociais. São os
repaginados shows violentos dos antigos coliseus, ou tragédias gregas
reinventadas e televisionadas. Tudo muito moderno, quase em tempo real.
Isso leva a uma inevitável indagação: qual
o propósito da mídia, sobretudo a televisiva, que privilegia a tragédia humana,
exibindo o pior que se poderia encontrar numa sociedade, em vez de destacar
assuntos de utilidade pública ou de apenas informar
sem apelações rasteiras.
O efeito disso tudo? Basta observar o
comportamento das pessoas, seja no dia-a-dia ou nas redes sociais, para
compreender que se trata de um sistema que incentiva, homeopaticamente, o
conformismo e a apatia social. Os noticiários televisivos, e não só eles (!),
dão continuidade ao trabalho das grandes religiões da Idade Média e, uma das consequências
disso é que nos mantemos reféns de uma sociedade tão cruel quanto benéfica
apresentada em forma de espetáculo. Mantemos-nos meros expectadores atônitos e
paralisados diante de tantas tragédias. Reputamo-nos com muita, mas muita sorte
de estarmos à margem daquele cenário, e agradecemos até mesmo pelo ar que
respiramos, por sermos tão especiais e afortunados diante daquela realidade que
nos é mostrada religiosamente, todos os dias do ano.
Diante de todo esse trabalho midiático
devidamente internalizado no subconsciente, temos receio do futuro, mas
agradecemos às entidades celestiais por sermos os escolhidos para não termos
uma vida tão desafortunada. Por isso, damos graças ao que temos e não ousamos
externar maiores ambições. Muito menos ousaríamos lutar por verdadeiras e
grandes mudanças que pudessem alterar, de fato, as realidades estruturais mais
tristes.
Em contraposição a essa onda de
convencimento das massas com grande apelo emotivo - técnica que o próprio Adolf
Hitler usou na Alemanha nazista para atingir seus propósitos – recorre-se à
música “comida” dos Titãs. Nela, nossos roqueiros insanos desenvolveram uma
crítica social voltada aos jovens dos anos 80, e ainda conseguem ser bem
atuais.
Aliás, a realidade percebida pelos célebres
roqueiros brasileiros já havia sido visualizada, dentre outros, pelo sociólogo
francês Pierre Bourdieu em sua obra “Sobre a televisão”, onde se infere que a
busca pela audiência e a manipulação escamoteiam-se em meio a artifícios
complexos, não percebidos pela massa.
Assim, em resposta a esse movimento
imobilizador, castrador e avesso ao verdadeiro desenvolvimento humano, que
privilegie a dignidade humana na sua plenitude, recorre-se aos notáveis
músicos, reafirmando-se que: “A gente não quer só comida, a gente quer comida
diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer
parte... A gente não quer só comida a gente quer bebida, diversão, balé. A
gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer... (...) A gente
não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só
dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade.”
Vislumbremos,
pois, a dignidade plena para uma
sociedade saturada pela resignação.
Crédito:
Artigo
de autoria da Dra. Patrícia Bianchi, Doutora em Direito Ambiental e Mestre em
Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina.
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