12 de junho de 2012

Você tem fome de que?




Dra. Patricia Bianchi





Há muito tempo não assisto a mídia televisiva. Por opção, tenho me informado por veículos impressos que reputo de maior credibilidade. Contudo, há alguns dias, no intuito de ver uma informação específica - que, a propósito, foi apresentada apenas no final do programa – em frente à televisão presenciei um verdadeiro show de horrores. 

Tratava-se de um dos noticiários de maior audiência do país, cuja credibilidade é pouco contestada pela população em geral. Nele, tive a oportunidade de - com minha família, em meu lar – ver ao vivo e em cores as mais variadas tragédias humanas, feridas expostas de uma sociedade que parece se alimentar da escória e dos dramas sociais. São os repaginados shows violentos dos antigos coliseus, ou tragédias gregas reinventadas e televisionadas. Tudo muito moderno, quase em tempo real.  

Isso leva a uma inevitável indagação: qual o propósito da mídia, sobretudo a televisiva, que privilegia a tragédia humana, exibindo o pior que se poderia encontrar numa sociedade, em vez de destacar assuntos de utilidade pública ou de apenas informar sem apelações rasteiras. 

O efeito disso tudo? Basta observar o comportamento das pessoas, seja no dia-a-dia ou nas redes sociais, para compreender que se trata de um sistema que incentiva, homeopaticamente, o conformismo e a apatia social. Os noticiários televisivos, e não só eles (!), dão continuidade ao trabalho das grandes religiões da Idade Média e, uma das consequências disso é que nos mantemos reféns de uma sociedade tão cruel quanto benéfica apresentada em forma de espetáculo. Mantemos-nos meros expectadores atônitos e paralisados diante de tantas tragédias. Reputamo-nos com muita, mas muita sorte de estarmos à margem daquele cenário, e agradecemos até mesmo pelo ar que respiramos, por sermos tão especiais e afortunados diante daquela realidade que nos é mostrada religiosamente, todos os dias do ano. 

Diante de todo esse trabalho midiático devidamente internalizado no subconsciente, temos receio do futuro, mas agradecemos às entidades celestiais por sermos os escolhidos para não termos uma vida tão desafortunada. Por isso, damos graças ao que temos e não ousamos externar maiores ambições. Muito menos ousaríamos lutar por verdadeiras e grandes mudanças que pudessem alterar, de fato, as realidades estruturais mais tristes. 

Em contraposição a essa onda de convencimento das massas com grande apelo emotivo - técnica que o próprio Adolf Hitler usou na Alemanha nazista para atingir seus propósitos – recorre-se à música “comida” dos Titãs. Nela, nossos roqueiros insanos desenvolveram uma crítica social voltada aos jovens dos anos 80, e ainda conseguem ser bem atuais.


Aliás, a realidade percebida pelos célebres roqueiros brasileiros já havia sido visualizada, dentre outros, pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu em sua obra “Sobre a televisão”, onde se infere que a busca pela audiência e a manipulação escamoteiam-se em meio a artifícios complexos, não percebidos pela massa. 

Assim, em resposta a esse movimento imobilizador, castrador e avesso ao verdadeiro desenvolvimento humano, que privilegie a dignidade humana na sua plenitude, recorre-se aos notáveis músicos, reafirmando-se que: “A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte... A gente não quer só comida a gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer... (...) A gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade.” 

Vislumbremos, pois, a dignidade plena para uma sociedade saturada pela resignação.

Crédito:

Artigo de autoria da Dra. Patrícia Bianchi, Doutora em Direito Ambiental e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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