24 de fevereiro de 2011

Pena disciplinar por flatulência no local de trabalho?



Os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, se divertiram bastante durante a sessão de julgamento do dia 11 de dezembro de 2007. Foi quando confirmaram uma sentença da 2ª Vara do Trabalho de Cotia (SP) quanto ao não reconhecimento de justa causa na demissão de empregada por motivo de flatulência no local de trabalho.

A inspirada ementa do acórdão, relatada pelo desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros fundamenta-se na doutrina do renomado jurista Jô Soares.

PENA DISCIPLINAR. FLATULÊNCIA NO LOCAL DE TRABALHO.

Por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor). Na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu. Daí porque, a atenção dispensada à inusitada advertência que precedeu a dispensa da reclamante.

Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal. Abusiva a presunção patronal de que tal ocorrência configura conduta social a ser reprimida, por atentatória à disciplina contratual e aos bons costumes.

Agride a razoabilidade a pretensão de submeter o organismo humano ao jus variandi, punindo indiscretas manifestações da flora intestinal sobre as quais empregado e empregador não têm pleno domínio. Estrepitosos ou sutis, os flatos nem sempre são indulgentes com as nossas pobres convenções sociais. Disparos históricos têm esfumaçado as mais ilustres biografias. Verdade ou engenho literário, em “O Xangô de Baker Street” Jô Soares relata comprometedora ventosidade de D. Pedro II, prontamente assumida por Rodrigo Modesto Tavares, que por seu heroísmo veio a ser regalado pelo monarca com o pomposo título de Visconde de Ibituaçu (vento grande em tupi-guarani).

Apesar de as regras de boas maneiras e elevado convívio social pedirem um maior controle desses fogos interiores, sua propulsão só pode ser debitada aos responsáveis quando deliberadamente provocada. A imposição dolosa, aos circunstantes, dos ardores da flora intestinal, pode configurar, no limite, incontinência de conduta, passível de punição pelo empregador. Já a eliminação involutária, conquanto possa gerar constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, não há de ter reflexo para a vida contratual.

Desse modo, não se tem como presumir má-fé por parte da empregada, quanto ao ocorrido, restando insubsistente, por injusta e abusiva, a advertência pespegada, e bem assim, a justa causa que lhe sobreveio. Não ficou configurada a má-fé da reclamante, mas com certeza ela tinha más fezes.

(Colaboração de Adriano Ferro de Oliveira)

Publicado no site BN Notícias


http://www.bahianoticias.com.br/justica/pensenoabsurdo,,4,10.html


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