25 de abril de 2011

Professor americano ensina a paz por meio da guerra


A aula começa com a leitura de uma passagem de "A Arte da Guerra", livro milenar do chinês Sun Tzu. Na sequência, os alunos pulam das cadeiras para confabular entre si. Afobados, discutem como resolver o aquecimento global, o preço do petróleo, invasão de terras. O sino toca e a aula acaba, assim como mais um capítulo do "Jogo da Paz Mundial".

Trata-se de um jogo de simulação política inventado há mais de 30 anos pelo professor de escolas públicas John Hunter, 56, premiado por instituições americanas e foco de um documentário recente, "World Peace and other Fourth-Grade Achievements" (algo como "a paz mundial e outras conquistas da quarta série").

Os estudantes recebem cargos como de primeiro-ministro e secretário-geral da ONU, escolhem seus gabinetes, e todos juntos estudam um dossiê de 13 páginas com 50 crises que precisam ser resolvidas até o final do jogo.

Hunter, que também dá aulas de design industrial e computação, criou em 2010 uma fundação para disseminar os conceitos do jogo e, num futuro, treinar outros professores. Em julho, fará uma simulação para docentes de Boston e outros interessados que o assistiram no TED, um evento fechado de especialistas de várias áreas que aconteceu no mês passado.

Em 30 anos, como foi mudando o objetivo do jogo?

No começo eram apenas os requerimentos básicos da escola. Mas foi ficando mais desafiante. Tento colocar todos os problemas possíveis, realmente inundo os alunos com informações. São questões complicadas, misturadas, para que eles percebam como tudo está conectado. Quero que eles tirem deste jogo uma ferramenta criativa ou crítica para usar no mundo, e quem sabe melhorá-lo.

Vendo as crianças negociar como líderes, o que os adultos têm a aprender?

Eles não têm muita experiência de vida e camadas de ego. Então têm uma abordagem mais fresca, ingênua e parecem ter um instinto natural de fazer o bem. Esquecem mágoas rapidamente. É o que chamo de compaixão espontânea. Demonstram isto para alguém que está com problemas, até mesmo o inimigo. Na criatividade, eles têm uma sabedoria coletiva. Ninguém consegue resolver o jogo sozinho.

Como o senhor escolhe os líderes?

Ofereço os cargos, eles não precisam aceitar. Passo um longo período pensando sobre quem realmente precisa deste desafio ou quem é bom nisto e precisa de mais. Faço uma suposição do que eles precisam baseada na minha relação com eles. Mas eles escolhem seus times. E digo sempre: "não pense apenas no seu melhor amigo, mas quem irá fazer esse trabalho da melhor maneira possível".

O que acha que eles teriam feito numa situação como a Líbia?

Nunca consegui prever o que eles fariam. Tenho meus credos, minha filosofia, mas eles sempre vão fazer algo completamente diferente do que eu considero correto. E, no final, era mesmo a melhor ideia. A sabedoria coletiva deles é muito melhor do que a minha sozinha. Sou apenas um facilitador, os alunos mandam no jogo, eu não tenho o poder de refazer regras uma vez que o jogo começa.

Já cruzou com pequenos tiranos?

Sim, acabamos de ter uma situação desta. Fiquei com medo de que o estudante fosse destruir o jogo, era muito arrogante, criava problema sem razão, causou um tremendo desastre com um incêndio numa plataforma de petróleo. Mas a sabedoria coletiva cuidou do caso. Ele foi tirado do jogo e levado a tribunal pelos estudantes. Ele se desculpou, houve votação e ele acabou voltando. E mudou sua atitude completamente.

Era um típico valentão ["bully", em inglês]?

Acreditamos que um valentão é alguém que acha que pode fazer o que quiser, mas eles seguem as regras, submetem sua personalidade ao jogo. Já fiz algo contraintuitivo e escolhi um para ser primeiro-ministro. Foi chocante. Ele declarava guerra contra todos. Foi tirado do jogo depois de quatro golpes de estado. Acabou exilado.

Os alunos consideram terminar todas as vezes?

Apenas uma vez perdemos o jogo e isto partiu meu coração. Não ensaiamos o suficiente as técnicas, e eles não eram meus estudantes, não tinha uma relação com eles. Alguns alunos tinham problemas pessoais com outros e eu não sabia. Se eu for treinar outros professores para fazer isto, é preciso que eles tenham uma relação com os estudantes. Não precisa ser perfeita, mas tem que saber a quem oferecer os cargos. É delicado.

Como o jogo impacta o desempenho acadêmico dos alunos?

Gosto de acreditar que eles se tornarão pensadores mais críticos e mais criativos depois do jogo. Que terão habilidade e força para recolher informações antes para evitarem tomar decisões de forma impulsiva. Que desenvolverão a capacidade de manterem-se focados na solução de problemas e em investigações evitando distração e outra forças dissipadoras. E apesar de a compaixão não ser considerada dentro das habilidades acadêmicas, espero que as crianças possam crescer com o aprendizado desse sentimento para com os outros.

Nota:

Vejam que experiência magnífica. Não seria o caso de convidar esse professor americano para que alguns dos nossos professores fossem treinados?

Fonte:

Texto:
FERNANDA EZABELLA, LOS ANGELES

Publicado:

Um comentário:

  1. Brilante inicitiva que treina e valoriza a capacidade idividual e coletiva dos alunos, um exemplo a ser seguido!

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