18 de julho de 2011

As audiências públicas na Justiça


Imagem meramente ilustrativa - Google Images


Usada em larga escala pelo Executivo e pelo Legislativo como forma de consulta e obtenção de apoio político, a audiência pública está começando a ser utilizada pelos tribunais superiores para embasar os julgamentos dos casos mais polêmicos, com implicações ideológicas, éticas e religiosas, e para ajudar a firmar jurisprudência nos casos mais corriqueiros - os chamados "processos de massa".

A primeira experiência foi feita em 2007, quando o Supremo Tribunal Federal iniciou a discussão sobre pesquisas com célula-tronco.

Pressionado por entidades católicas e grupos evangélicos, por um lado, e por associações científicas, grupos acadêmicos e movimentos sociais, por outro, o relator Carlos Ayres de Britto - que não é especialista na matéria - reuniu-se com 17 médicos, biólogos, pesquisadores, líderes religiosos e representantes da sociedade civil. Com base no que ouviu, emitiu um parecer favorável e, menos de um ano depois, a Corte autorizou a realização desse tipo de pesquisa, que é decisiva para a medicina regenerativa.

Um ano depois, o Supremo realizou mais duas audiências públicas. Uma foi para discutir a importação de pneus usados, que o tribunal acabou proibindo. A outra, que durou quatro dias e contou com a participação de ministros de Estado, cientistas e representantes de 25 instituições, discutiu se as mulheres têm ou não direito de interromper a gravidez de fetos anencéfalos. Proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, a ação não foi julgada até hoje - mas, como vem autorizando o aborto, por meio de liminares, o Supremo já sinalizou qual será sua decisão nesse caso.


Como a experiência das audiências públicas deu certo, pois a consulta a todos os setores interessados propiciou aos ministros as informações de que necessitavam para tomar decisões consistentes, tanto em termos jurídicos quanto em termos técnicos, o Supremo ampliou seu alcance.

Em 2009, a Corte convocou 50 especialistas para debater as liminares que têm sido concedidas pelas instâncias inferiores da magistratura, a pedido de promotores de Justiça e defensores públicos, obrigando as prefeituras, os Estados e até a União a fornecer gratuitamente tratamentos médicos, próteses e remédios que não constam das listas do Sistema Único de Saúde (SUS). As autoridades do setor de saúde alegaram que a proliferação de liminares estava comprometendo o planejamento orçamentário dos governos municipais, estaduais e federal. Essas discussões duraram seis dias.


A última audiência pública foi realizada em março do ano passado e discutiu a política de cotas sociais e raciais para ingresso nas universidades - processo que ainda não tem data para ser levado a julgamento.

O sucesso da experiência estimulou os demais tribunais superiores a seguir a trilha aberta pelo Supremo. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por exemplo, numa iniciativa inédita, suspendeu o julgamento de uma das questões mais polêmicas na Justiça do Trabalho - objeto de milhares de ações impetradas por empregados terceirizados que trabalham em call centers de concessionárias de telefonia - e convocou sindicatos patronais e trabalhistas para participar de uma audiência pública. A ideia é ir além da análise das implicações jurídicas das causas e efeitos da terceirização. "A matéria tem uma relevância extraordinária do ponto de vista social, econômico e até político", avalia o presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen.


Como as ações judiciais envolvem questões complexas e a magistratura tem uma formação generalista, as audiências públicas têm ajudado a evitar sentenças e acórdãos tecnicamente equivocados. O problema é que esses debates podem descambar para o proselitismo ideológico e a defesa de interesses corporativos, em detrimento da aplicação objetiva das leis, abrindo caminho para o ativismo judicial. É esse o risco que os tribunais têm de afastar, para evitar que decisões judiciais embasadas em audiências públicas acabem comprometendo a segurança do direito.

Fonte:

O Estado de São Paulo, 07 de julho de 2011

Nota deste blog

Temos sérias dúvidas quanto a real eficácia dessa iniciativa, eis que a questão de representatividade a nosso ver fica seriamente comprometida pela falta de participação efetiva de todos os interessados.

Como a realização de uma consulta popular (tipo plebiscito) é considerada inviável pelo elevado custo, não seria o caso de aproveitar o avanço tecnológico e realizá-la por meio virtual?

Queremos ouvir a opinião de nossos leitores.

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