15 de janeiro de 2012

Soberania



Imagem meramente ilustrativa




        O conceito de soberania teorizado por personalidades como Jean Bodin, Jean-Jacques Rousseau entre outras, sempre suscitou importantes controvérsias em variadas épocas. Contudo, soberania terminou por representar, sobretudo a igualdade jurídica entre os Estados, e a sua consolidação lançou as bases para o estabelecimento de normas internacionais, onde os Estados são responsáveis por suas próprias escolhas no âmbito interno e externo. 

        Tradicionalmente, soberania significa, no âmbito interno, a superioridade das diretrizes estatais nas diversas esferas sociais; e, no âmbito externo, a idéia de igualdade entre as nações. Assim, aquela palavra remete ao sentido de paridade entre os Estados, bem como a afirmação destes no sentido de defesa dos seus interesses e, particularmente, de resguardo dos interesses dos seus nacionais. 

        Chamou-me a atenção a roupagem que se está conferindo ao termo nos últimos tempos. Sabe-se que a soberania pode ser invocada para justificar vários atos do Poder Público e também das pessoas privadas. Hoje é lugar-comum dizer que a única forma de se prosperar economicamente é aderindo aos ditames da globalização, esta vista sob o seu viés mais insensato, e de todo o processo que ela representa. O resultado disso, muitas vezes, é a perda da essência da soberania nacional, no sentido de se admitir interferências externas no gerenciamento dos recursos estatais, tudo devidamente justificado pelas já internalizadas noções de interdependência entre as nações, e de globalização econômica infalível e única. 

        Desse modo, imergimos num sistema essencialmente assimétrico, que produz benefícios para poucos, e ilude a muitos. Mas embarcamos nesse enredo, talvez por falta de condições de formarmos outro. 

        Hoje, atos ou empreendimentos ambientalmente duvidosos, sob o aspecto da sustentabilidade, são fundamentados e firmados com base em “razões de soberania”. Traduz-se: “os estrangeiros já dilapidaram o seu patrimônio, e agora não querem deixar que dilapidemos o nosso. Somos um Estado soberano! Não podemos permitir isso!” 

        Num contexto apartidário, o Brasil tem um histórico onde as grandes obras públicas são erguidas em nome da já cediça idéia de crescimento econômico, cujas benesses se estende a poucos, já que ainda somos um país marcado ferozmente pela desigualdade - muitas vezes sem grandes ponderações de ordem ecológica ou social, num processo onde famílias e tradições são desprezadas; licenças são compradas; o dinheiro público é freqüentemente desviado, fatos estes noticiados pela imprensa e documentados em ações movidas pelo Ministério Público.  

        Por isso, talvez devêssemos conceber os grandes projetos “desenvolvimentistas”, no mínimo com maior cautela, já que normalmente tais empreendimentos envolvem grandes impactos sociais e ecológicos, e estes últimos são, em sua maioria, irreversíveis. 

        Talvez devêssemos flexibilizar o conceito tradicional de soberania, trazendo-o para o sentido de gestão com consciência e ética, desenvolvendo-se uma cultura de responsabilidade com relação ao que construímos, e com o que se propõe construir, ponderando-se os custos e benefícios envolvidos. Quiçá essa faceta da palavra nos seja mais útil na construção de uma sociedade mais original, numa atitude que privilegie o bem comum e não a grupos restritos ou ao capital externo. 

        Àqueles que utilizam a tão necessária idéia de soberania para justificar a degradação e o empobrecimento (nos mais variados sentidos) do nosso país, e da sua população – contraponho a idéia de afirmação da soberania para a proteção dos povos e do seu meio, e da soltura dos grilhões de uma economia externa abstraída de ponderações de ordem sócio-ambiental interna, e que afeta negativamente um povo nobre de uma terra rica.

       Por fim, ser um Estado soberano é reforçar a sua singularidade, realçando o que se tem de melhor, e adaptando as suas características para aprimorar ainda mais as condições de vida da população, ao contrário de se repetir, orgulhosamente e soberanamente, equívocos do passado seja desta ou de outras nações. 

Nota:


O presente texto nos foi encaminhado pela sua autora, Professora Patricia Bianchi, Doutora em Direito Ambiental e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Santa Catariana.

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