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No Direito, assim como em outras ciências, o seu desenvolvimento se opera por meio de uma linguagem própria. Com isso, como afirmam os linguistas, as expressões usadas no trato das questões jurídicas possuem acepções específicas. Desta forma, no universo do Direito, a palavra é indispensável e a sua correta utilização torna-se a matéria-prima para o exercício profissional.
Da mesma forma, é inquestionável que a materialização do Direito como ciência, e da filosofia se operam através da linguagem. A ciência é "uma linguagem bem feita" e a "filosofia nada mais é do que uma análise lógica da linguagem científica", afirmam alguns neopositivistas.
Historicamente podemos verificar que filósofos e cientistas estudaram os problemas sob três aspectos: o das realidades, o das idéias e o da linguagem. Partiram, inicialmente, para encontrar justificativas e explicações da vida dentro do contexto da realidade. Seguiram depois, do mundo real para o das idéias ou do pensamento. Fixaram, finalmente, os contemporâneos, no estudo da linguagem, surgindo daí os representantes da moderna lingüística ou da semiótica (semiologia) .
Assim, o Direito utiliza-se da sua linguagem própria como instrumento de comunicação do legislador ou do jurista para com os receptores de um agrupamento social.
O preâmbulo acima tem como escopo demonstrar que o jurista não pode desprezar a linguagem específica do Direito no seu mister profissional.
O presente artigo tem como objetivo demonstrar que o uso inadequado da expressão “segredo profissional” para referir-se ao “sigilo da fonte” assegurado aos comunicadores é um equívoco inaceitável.
Em nossa obra “Proteção Constitucional do Sigilo da Fonte na Comunicação Jornalística” , procuramos demonstrar que a garantia constitucional contida no inciso XIV do Artº 5º, não guarda qualquer semelhança com o segredo profissional. Todavia, verifica-se, não raras vezes, na doutrina brasileira o uso indiscriminado da expressão segredo profissional ao se referir àquela garantia constitucional, que assegura o resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional.
É evidente que fora do campo jurídico, os dicionários, de uma maneira geral, destacam que as expressões “sigilo” e “segredo” são sinônimas. Porém, no âmbito jurídico eles configuram dois institutos completamente diferentes como veremos a seguir.
A Constituição brasileira de 1988 foi pródiga em inovações com relação à liberdade de expressão do pensamento, dando maior amplitude ao rol dos direitos e garantias individuais. Aboliu-se de vez a censura, vedou-se o anonimato e inseriu, pela primeira vez, a proteção do sigilo da fonte como norma constitucional. Já o segredo profissional apesar de não estar expresso em nosso texto constitucional, para alguns autores, com os quais concordamos, está ancorado no perfil pretendido pelos nossos legisladores constituintes, eis que a obrigação imposta àquele que deve guardar o segredo diz respeito à intimidade de outrem, que, por sua vez, está contido no rol dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela nossa Constituição.
O segredo profissional tem como escopo a proteção de segredo alheio obtido licitamente em decorrência do exercício de qualquer atividade profissional, constituindo-se crime previsto na nossa legislação penal a sua violação. Tal disposição visa proteger fatos da intimidade de uma pessoa que foram revelados em decorrência da relação de confiança estabelecida entre ela, denominado confidente, e o profissional (confitente), que a obteve. Neste caso, a identidade do confidente pode até ser revelada, mas os fatos (segredo) confidenciados não.
Ainda no que diz respeito exclusivamente ao segredo profissional, cumpre ressaltar que a legislação brasileira enumera os casos em que os fatos confidenciados podem e devem ser revelados. Portanto, não se trata de um direito absoluto, comportando uma série de exceções previstas na legislação vigente.
Por sua vez, a proteção jurídica que a nossa Constituição de 1988 assegurou ao sigilo da fonte tem como escopo proteger a origem das informações obtidas, podendo, neste caso, se constituir não só na pessoa, como materiais, documentos e tudo mais que possa caracterizar como fonte de divulgação de um fato. Neste caso, o que permanece oculta é a fonte, já que os fatos são revelados.
Deve ser salientado que o exercício do direito ao sigilo da fonte não se configura apenas como um direito individual dos comunicadores. Tal proteção constitucional é mais ampla, e se constitui um direito coletivo na medida em que tem por objetivo assegurar à coletividade o acesso à informação, pressuposto básico do direito de liberdade e expressão do pensamento. A utilização do anonimato da fonte proporciona que fatos de grande relevância sejam dados ao conhecimento do público em geral.
Nota-se assim, que diferença no âmbito jurídico dos dois institutos – segredo profissional e sigilo da fonte – está no bem jurídico que está sob a proteção legal. O primeiro está em tudo aquilo que foi caracterizado como secreto e, no segundo, a proteção é apenas assegurada à fonte onde foi obtida a informação.
Manuel Cossio , renomado autor do Direito Espanhol, salienta que no segredo profissional o interesse jurídico que se protege deriva do exercício de uma atividade profissional de interesse público, com base numa relação de confiança, se alinhando como defesa da intimidade. Já o sigilo da fonte é o direito por meio do qual o interesse protegido é a liberdade de expressão e o direito de informar e ser informado.
A garantia constitucional do sigilo da fonte não é assegurada apenas aos jornalistas. Ela também contempla os editores, diretores e os proprietários dos veículos de informação.
Hoje, com a revogação da Lei de Imprensa , esse direito se amplia a todos àqueles que exercem a profissão de jornalista, já que o diploma de graduado em curso de Comunicação Social, habilitação em jornalismo, também deixou de ser exigido por decisão do STF.
Enquanto o segredo profissional não se configura um direito absoluto, comportando exceções previstas no ordenamento jurídico, o sigilo da fonte é absoluto, podendo ser apenas relativizado se presente uma única condição expressa no próprio texto constitucional (Art.º5º, IV): quando necessário ao exercício profissional.
Dessa forma, não há no Direito brasileiro qualquer disposição legal que venha obrigar o comunicador a revelar a fonte onde ele obteve uma informação, ficando ele isento de sofrer qualquer sanção, seja de natureza civil, penal ou administrativa, pelo fato de não revelar a fonte de uma informação recebida em razão do seu ofício e que precisa ser mantida em sigilo.
É apenas aparente o privilégio concedido aos comunicadores quando é utilizado o sigilo da fonte no seu mister profissional, pois nesse caso caberá a eles comprovarem, se necessário, a veracidade dos fatos revelados, já que a fonte foi omitida. Dessa forma, fica até mesmo ampliada a responsabilidade do profissional que o utiliza. Em razão disso, os manuais de redação dos diversos veículos de comunicação orientam os seus profissionais a se utilizarem, como último recurso, o anonimato da fonte.
Reforça a tese de que o uso do sigilo da fonte não se constitui um privilégio aos comunicadores, o fato de nossa Constituição vedar o anonimato. Dessa forma, será do jornalista ou do veículo que divulgou a informação, a eventual apuração da responsabilidade civil ou penal decorrente da difusão de uma informação que não condiz com a verdade.
Apesar dessa garantia constitucional o jornalista poderá ter um o drama de consciência ao saber, antecipadamente, informações sobre um crime; um atentado, e por estar impedido de revelar a fonte, nada pode fazer para impedi-lo. Da mesma forma, outros que conhecem a identidade dos seqüestradores e onde se encontra o refém ou aquele que tenha a prova do autor de um crime, enquanto um inocente está sendo julgado. Diante do Direito brasileiro, mesmo em situações como as descritas acima, entendemos que apenas dependerá da exclusiva consciência e dos padrões éticos e morais que o jornalista respeita, a divulgação ou não da fonte da informação que recebida.
Da mesma forma, não estando obrigado, por qualquer norma jurídica, a revelar a fonte de uma informação, o jornalista poderá fazê-lo quando não puder comprovar o fato noticiado. Neste caso, mais uma vez caberá exclusivamente a ele decidir: se arrisca uma condenação pessoal ou se revela a fonte para comprovar a veracidade da notícia divulgada.
Há de ser salientado, finalmente, que o sigilo da fonte, assegurado pela norma constitucional brasileira, tem como objeto a tutela da fonte de uma informação (informantes de um acontecimento – seus autores, suas vítimas, suas testemunhas, comunicados oficiais, quem fala em nome do quê; terceiras pessoas, informantes envolvidos circunstancialmente nos fatos, papéis e documentos de consulta, relatos parciais, etc.) e é facultada apenas aos jornalistas. O segredo profissional, por sua vez, visa resguardar fatos (eventos íntimos ou privados da vida de alguém), que foram revelados ao profissional pelo seu cliente, ainda que reservados, porém necessários ao melhor desempenho de suas funções e que, se revelados, podem causar dano a outrem. Para tanto, ELIMAR SZANIAWSKI , salienta que: “Daí se tem que o direito ao segredo profissional pertence àquele que revelou ao profissional segredo de sua vida particular e estes que estão protegidos.” Assim, no sigilo da fonte, o direito é do jornalista de se eximir de revelar a identidade de suas fontes, quando necessário ao exercício profissional.
O segredo profissional poderá ser revelado se houver justa causa e a revelação não constituir dano a outrem. No sigilo da fonte, ao contrário, o jornalista tem o dever ético de não revelar a fonte, mesmo havendo justa causa e que a revelação não venha causar dano a outrem.
Embora goze de total absolutismo, entendemos que os jornalistas devem utilizar o direito de preservar a identidade de suas fontes de informação com bastante coerência e apenas nos casos absolutamente necessários.
Nota:
Todas as obras citadas fazem parte do acervo deste bloguista.
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