4 de novembro de 2010

OAB – COLABORAR COM O APERFEIÇOAMENTO DOS CURSOS JURÍDICOS É PRECISO

A Seccional Paulista da OAB tem se insurgido contra a Defensoria Pública do Estado em face desta ter assinado convênios com alguns cursos de Direito para atender a demanda de assistência judiciária no Estado de São Paulo. Tal postura, a nosso ver, se contrapõe frontalmente com o que dispõe o Estatuto da OAB e da Advocacia, Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994.

Antes da abordagem da questão a que nos propusemos, torna-se necessário expor algumas considerações prévias.

Vejamos.

O inciso LXXIV do Art. 5º da Constituição Federal estabelece que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovaram insuficiência de recursos. Ao assim dispor nosso texto constitucional procurou garantir como direito fundamental o instituto da assistência jurídica ao cidadão carente e recurso e de lhe garantir o pleno acesso à justiça. Trata-se de uma inovação contida na Carta de 1988, eis que a assistência judiciária era anteriormente estabelecida por meio de legislação ordinária.

Para garantia da assistência jurídica integral, o nosso legislador constituinte ainda estabeleceu, nos Artigos 134 e seguintes, a obrigação de que cada Estado-membro criasse a sua Defensoria Pública para o exercício da função jurisdicional do Estado, de sorte a prestar a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. As normas gerais para a organização da Defensoria em cada Estado-membro foi disciplinada por meio da Lei Complementar n. 80/94.

No Estado de São Paulo a Defensoria Pública somente foi criada em 2006. Em razão disso, o seu quadro de defensores ainda se mostra totalmente insuficiente para atender a demanda por assistência jurídica gratuita. Autorizada pela legislação que a criou, a Defensoria Pública de São Paulo firmou convênio com a OAB para atender de forma suplementar os atendimentos a ela afetos. De outra forma, foram firmados outros convênios com instituições de ensino para que os mesmos serviços fossem prestados

A OAB/SP alega possuir exclusivismo de suplementar, quando necessário, os atendimentos que deveriam ser feitos pela Defensoria Pública, objetando, assim, os convênios assinados com as Faculdades de Direito para os mesmos fins.

A questão agora está sendo objeto de contestação por meio de ADIn(1) - Ação Direta de Inconstitucionalidade - promovida pelo Procurador Geral da República que pretende ver declarada a inconstitucionalidade do Art. 109 da Constituição do Estado de São Paulo e do Art. 234 da Lei Complementar Estadual n. 988/2006, também de São Paulo, que estabelecem que a OAB/SP promova a designação de advogados para a prestação de assistência judiciária a cargo da Defensoria Pública em caso de insuficiência de atendimento e da obrigatoriedade de celebração de convênio para esse fim entre a Defensoria Pública Estadual e a OAB/SP.

A ANADEP -Associação Nacional dos Defensores Públicos integrou a lide como amicus curiae (2) propugnando que o serviço que deve ser prestado pela Defensoria Pública e em casos onde não for possível atender, deve construir uma política que seja a mais adequada para o atendimento, sob viés do interesse público. Eventualmente pode ser um convênio com a OAB ou com outras organizações da sociedade civil que prestem esse serviço. O que a Constituição Federal não estabelece, diz a ANADEP, é que o monopólio dessa advocacia de interesse público subsidiário seja feito exclusivamente pela OAB.

Segundo Oscar Vilhena (3), diretor-executivo da Conectas (4), em entrevista concedida à Associação Paulista dos Defensores Públicos– APANEP (5) - a questão que ora se discute tem a sua origem na própria criação da Defensoria Pública no Estado de São Paulo. Para ele o que houve foi “um forte interesse corporativo por parte da OAB. Ela fez uma pressão muito forte junto à Assembléia Legislativa e essa pressão foi, de certa maneira, acatada. Com isso, incluiu-se esse dispositivo. É contra ele que o Procurador Geral da República está se insurgindo e nós entendemos que o faz com toda razão. A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação da prestação de atendimento jurídico ao carente e não confere nenhum tipo de monopólio de convênios. E esse monopólio, em alguma medida, foi instituído por intermédio dessa pressão da OAB na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Isso que me parece equivocado. Isso fere direta e substantivamente a Constituição, mas fere também o âmbito de autonomia dos Estados e, por conseqüência, fere o âmbito de autonomia da própria Defensoria. A Defensoria tem que ter a discricionariedade para escolher qual o melhor parceiro e em quais condições, circunstâncias, o convênio será feito. Isso varia de Estado para Estado, de região para região e a Defensoria deve ter essa possibilidade de selecionar. Ela é o órgão que tem a responsabilidade de fazê-lo”.

Pelo que se têm notícias, em outros Estados as Defensorias Públicas mantém convênios com instituições de ensino e não há qualquer manifestação contrária das Seccionais da OAB. Já em São Paulo, aquelas poucas que ainda mantêm convênios com a Defensoria Pública, estão sendo notificadas pela OAB para que os convênios sejam revogados.

Ainda a título de informação, é oportuno destacar que o Estágio Supervisionado, conforme o art. 7º da Resolução nº 09, é componente curricular obrigatório e deve se encontrar sob responsabilidade do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) de cada curso de Direito), compreendendo a prática real e simulada das diversas profissões jurídicas existentes, como advocacia pública e privada, magistratura, Ministério Público e outras.

O Estágio deve ser realizado na própria IES através do seu NPJ, podendo, em parte (até 50% da carga horária total prevista em regulamento próprio do Estágio Supervisionado), ser exercido em outras instituições conveniadas e sob supervisão da Coordenação de Estágio, como escritórios de advocacia, órgãos do Pode Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ou em departamentos jurídicos de empresas. Além do Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica, os cursos deverão possuir professores orientadores que deverão exercer a supervisão dos estágios realizados fora da instituição. O estagiário deverá elaborar relatórios a respeito das atividades desenvolvidas.

A avaliação do estagiário deverá ser continuada, tendo como referência o desenvolvimento de competências e habilidades adquiridas pelo discente nas atividades práticas e simuladas das principais profissões jurídicas no cumprimento do Estágio Supervisionado, como a redação de peças processuais, prestação de serviços jurídicos, visitas orientadas a órgãos judiciários, análise de autos findos, prática de atividades de mediação, conciliação e arbitragem, simulação de Audiências e Júri.

Os cursos de Direito também poderão oferecer o estágio profissionalizante voltado para a advocacia, devendo esse ser realizado por meio de convênio com a OAB. Importante destacar que o aluno não é obrigado a realizar esse estágio profissionalizante, todavia, o estágio supervisionado curricular ele é, consistindo em parte obrigatória da estrutura curricular do curso de graduação em Direito.

No início deste post afirmamos que a Seccional Paulista da OAB deixa de cumprir o Estatuto da OAB e da Advocacia. Referimo-nos ao disposto no Art. 44, I, in fine, que diz competir a OAB pugnar pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas e no Art. 54, XV, de colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para a criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos. (gn.)

Nesse sentido, a OAB tem se mostrado cada vez mais intransigente na sua postura de exigir que o Ministério da Educação lhe dê cada vez mais lhe o direito de opinar na criação e reconhecimento de cursos de Direito. Por outro lado, não se vê o mesmo interesse dela em colaborar com o aperfeiçoamento desses cursos, realizando qualquer tipo de ação que venha dar cumprimento àquele dispositivo do seu próprio Estatuto. Ao contrário, ao tentar a Seccional Paulista de impedir que a Defensoria Paulista firme convênios com cursos de Direito do Estado, possibilitando que seus alunos possam realizar a prática real dentro das suas próprias instituições (vide nota 6), a OAB está trabalhando no sentido inverso e deixando de cumprir o seu próprio Estatuto.

Esperamos que o STF resolva rapidamente a questão, possibilitando que os cursos jurídicos do Estado de São Paulo possam continuar oferecendo aos seus alunos a prática real por meio de convênios com a Defensoria Pública e que a OAB venha antes de avaliar os cursos jurídicos colaborar com o seu aperfeiçoamento com reza o seu Estatuto.

Concluímos com os sábios ensinamentos de Abraham Lincoln:

“Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar."



Notas:

Notas:
1. ADIN n. 4163


2. Oriundo do direito norte-americano, o "Amicus Curiae" (amigo da corte) é um instituto de matriz democrática, uma vez que permite que terceiros passem a integrar a demanda, para discutir objetivamente teses jurídicas que vão afetar a sociedade como um todo, incluindo-se, dessa forma, quando admitidos, nos limites subjetivos da coisa julgada


3. Mestre em Direito pela Universidade de Columbia (EUA), doutor em Ciência Política pela USP-SP e pós-doutorado em Direitos Humanos pelo Centre for Brazilian Studies (Universidade de Oxford/EUA),


4 A Conectas Direitos Humanos é uma ONG internacional, sem fins lucrativos, que atua há mais de sete anos no Brasil. A entidade tem como objetivo promover o respeito aos direitos humanos e contribuir para a consolidação do Estado de Direito na África, Ásia e América Latina. Em 2006, a ONG passou a ter status consultivo na Organização das Nações Unidas (ONU).


5. A APADEP, entidade representativa dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo, foi fundada em 7 de abril de 2006, tendo como principal finalidade a defesa dos interesses da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e os de seus associados.


6. RESOLUÇÃO CNE/CES N° 9, DE 29 DE SETEMBRO DE 2004 (*)


Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências.
(...)
Art. 7º O Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório, indispensável à consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao perfil do formando, devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização.


§ 1º O Estágio de que trata este artigo será realizado na própria instituição, através do Núcleo de Prática Jurídica, que deverá estar estruturado e operacionalizado de acordo com regulamentação própria, aprovada pelo conselho competente, podendo, em parte, contemplar convênios com outras entidades ou instituições e escritórios de advocacia; em serviços de assistência judiciária implantados na instituição, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública ou ainda em departamentos jurídicos oficiais, importando, em qualquer caso, na supervisão das atividades e na elaboração de relatórios que deverão ser encaminhados à Coordenação de Estágio das IES, para a avaliação pertinente.
§ 2º As atividades de Estágio poderão ser reprogramadas e reorientadas de com os resultados teórico-práticos gradualmente revelados pelo aluno, na forma definida na regulamentação do Núcleo de Prática Jurídica, até que se possa considerá-lo concluído, resguardando, como padrão de qualidade, os domínios indispensáveis ao exercício das diversas carreiras contempladas pela formação jurídica.(gn.)



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