20 de fevereiro de 2011

REPROVAÇÃO NO EXAME DE ORDEM: QUEM É O CULPADO?




O elevado número de reprovações nos Exames da OAB tem sido sistematicamente atribuído a qualidade do ensino ministrado pelos cursos de Direito, em especial aqueles mantidos pela iniciativa privada.

Não se verifica, todavia, qualquer esforço das autoridades educacionais – Ministério da Educação (MEC) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no sentido de buscar uma solução para o problema. Num cenário de muita discussão, e constante troca de acusações entre os atores envolvidos (MEC, OAB, bacharéis em Direito e Faculdades), a realidade do ensino do Direito no Brasil é deixada de lado e nenhuma solução é encontrada.

Em razão disso, o Exame de Ordem passa a ser questionado quanto à sua constitucionalidade – questão que não iremos entrar no mérito neste post – como se a permissão para que todos os formandos pudessem se inscrever na OAB fosse a solução para o problema.

Não se discutiu ainda, com a profundidade que o assunto merece, qual o verdadeiro papel dos cursos jurídicos no Brasil. Temos, para nós, que a formação acadêmica, propósito maior desses cursos, se revela pelo desenvolvimento cultural, científico e técnico do aluno, dotando-o de capacidade crítica e de compromissos sociais, sem um direcionamento profissional específico. Para isso, 5 anos são mais do que suficientes.

Por outro lado, a preparação para o desempenho profissional de uma das carreiras jurídicas que podem ser seguidas pelo bacharel, que se exige dele um exame de suficiência (Exame da OAB e concurso público para as demais), deveria ser alcançada em período subsequente, ao término dos 5 anos de graduação, por meio de estágio preparatório para o exercício profissional, especialmente para a advocacia. Essa formação operacional, por meio da realização de exercícios reais e sob uma supervisão, iria proporcionar aos egressos dos cursos de Direito a qualidade indispensável para o desempenho da carreira escolhida.

O estágio previsto como obrigatório pelas Diretrizes Curriculares dos cursos de Direito (Resolução n. 9/2004) tem por objetivo permitir a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos conteúdos das diversas disciplinas componentes da matriz curricular.

Nesse sentido, é oportuno salientar que o Estágio Supervisionado, conforme o art. 7º da Resolução nº 09, antes citada, é componente curricular obrigatório e deve se encontrar sob responsabilidade do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), que compreende a prática real e simulada das diversas profissões jurídicas existentes, como advocacia pública e privada, magistratura, Ministério Público e outras.

Dentro desse contexto, entendemos que é praticamente impossível, especialmente para os alunos que trabalham e estudam no período noturno, desenvolver a prática real, voltada às atividades advocatícias, que lhes serão cobradas no Exame de Ordem.

Apesar disso, é necessário ressaltar que muitas das instituições de ensino oferecem aos seus alunos, por meio de Serviços de Assistência Judiciária e convênios, a realização de estágios para a advocacia, abrangendo os serviços forenses pertinentes. Todavia, poucos são os alunos que o realizam, por absoluta falta de tempo.

Some-se a isso outra questão que reputamos de grande relevância. Hoje o Exame da OAB é realizado em caráter nacional, exigindo conteúdos que muitas vezes não é dado com profundidade nos cursos de Direito por absoluta falta de tempo, especialmente pela existência de várias disciplinas que, ao contrário, são ministradas pelas instituições para que seus Projetos Pedagógicos sejam elaborados de sorte a trazer de forma clara a concepção e os objetivos do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucionais, política, geográfica e social (vide inciso I, § 1º, do Art. 2º, da Resolução 9/2004), cujos conteúdos não são cobrados nos Exames de Ordem.

Entendemos que já passou o momento de a OAB e o Ministério da Educação – que hoje já falam a mesma língua no tocante às avaliações dos cursos (autorização e reconhecimento) – venham estabelecer claramente o que eles pretendem dos cursos de Direito, especialmente no tocante à elaboração dos seus projetos pedagógicos, composição das matrizes (grades) curriculares e o perfil do profissional a ser graduado, de sorte que o graduado em Direito possa se apresentar para o Exame de Ordem devidamente preparado para realizá-lo.

Na elaboração das provas, a OAB deveria também convocar os professores das instituições para participar da elaboração das questões propostas nos exames, pois a ausência desses também proporciona discussões no campo doutrinário e jurisprudencial, pois os livros adotados em alguns cursos podem divergir de outros, especialmente quando não se tem claro uma uniformização em razão da autonomia didática conferida a cada curso.

Posto isso, ousamos oferecer nessa discussão a nossa opinião.

Entendemos que os cursos de Direito no Brasil deveriam ser formatados de sorte a oferecer, prioritariamente, a formação de egressos aptos para o exercício da advocacia. Essa opção está na visão de que as Faculdades de Direito devem deixar de serem locais genéricos de formação de bacharéis em Direito – um profissional com formação “polivalente”, e adotar um modelo que tenha por objetivo formar o advogado com formação humanística e generalista. Nesse sentido, muitos dos que estudam a educação jurídica no Brasil, são unânimes em afirmar que “não existe diferença alguma entre formar bacharéis ou nada formar”.

Reforça a nossa convicção o fato de que no Brasil, algumas das profissões jurídicas públicas (com exceção da magistratura e da função de delegado) não serem mais do que o exercício da advocacia: o promotor de justiça é um advogado; o defensor público é um advogado, e os procuradores são advogados. A advocacia é, portanto, o centro da vida profissional da grande maioria dos futuros bacharéis em Direito. É necessário ressaltar que até mesmo o magistrado necessita, em muitos Estados da Federação, como é o caso do Estado de São Paulo, comprovar experiência na advocacia para se habilitar ao concurso público.

Assim, é preciso ter consciência de que 5 (cinco) anos de duração de um curso de Direito e muito pouco para se ter a falsa pretensão de querer formar bacharéis já devidamente aptos para enfrentar concursos de ingresso nas funções públicas clássicas (magistratura, defensoria pública, promotoria de justiça, etc.). Deve-se objetivar, em primeiro lugar, o preparo do aluno para ingressar no mercado de trabalho da advocacia, que é o passaporte de ingresso para as demais profissões jurídicas.

Com essa filosofia, e abandonando a idéia de preparar matrizes curriculares que ofereçam disciplinas pertinentes à região onde estão inseridos tais cursos, e que não são exigidas nos exames da OAB, os cursos de Direito teriam tempo suficiente para oferecer, aos futuros egressos, os conteúdos necessários para que ele consiga uma formação adequada e que atenda diretrizes a serem estabelecidas em conjunto pelo MEC e a OAB.

Se nada disso for feito, não resta menor dúvida que corremos o risco de os cursos de Direito no Brasil, como foram os cursinhos de outrora, passarem a treinar os alunos para serem aprovados no Exame de Ordem, em face da repercussão negativa que os altos índices de reprovação traz para as instituições.

Quem sabe a partir disso, e por meio de um estudo mais aprofundado, os cursos de Direito não seriam transformados em Escolas de Advocacia, deixando para a pós-graduação a formação de Mestres e Doutores em Direito.

O tema é polêmico e fica aberto a discussão.

Notas explicativas:

1- O presente post foi escrito considerando que grande parte dos estudantes de Direito estão hoje concentrados em instituições de ensino mantidas pela iniciativa privada, que trabalham de dia e estudam a noite, dispondo de pouco tempo para estudar e realizar estágios;
2. Não concordamos com a tese de que a maioria desses cursos não oferecem a qualidade que dele se espera. Constatamos, ao contrário, um esforço inigualável das instituições e de seus professores no sentido de superar as deficiências que seus alunos são portadores (a grande maioria egressos dos ensinos fundamental e médio de escolas públicas), e no uso de metodologias de ensino que possibilitem que o processo ensino-aprendizagem ocorra com sucesso de acordo com o perfil desse aluno; 
3. Não se pode pretender que esses egressos do qual falamos anteriormente, obtenham os mesmos índices de aprovação daqueles que estudam em instituições (públicas e privada), oriundos dos ensinos fundamental e médio mantidos pela iniciativa privada, que não trabalham, permitindo que seus professores, com maior facilidade, possam agir como meros orientadores no processo ensino-aprendizagem, lhes assegurando a autonomia necessária para a busca os conhecimentos necessários;
4. É preciso, e com urgência, ter em mente de que a grande maioria dos cursos de Direito não são hoje, como outrora, reservado a uma elite da sociedade, e que seus egressos têm o direito de que seus diplomas assegurem o exercício de uma profissão, sob pena de realmente nos transformarmos em um país de bacharéis;
5. Entendemos que o papel da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no estrito cumprimento do que dispõe o Art. 54, inciso XV, da Lei n. 8.906/1994 - Estatuto da Advocacia e OAB, que dispõe que ela deva colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, não pode ficar restrito apenas aos pareceres que ela emite nos casos de autorização e reconhecimentos de cursos, e de outorgar selos de qualidade aos cursos que mais aprovam em seus exames. Deve ela, como fez no passado, promover seminários e gestões junto ao Ministério da Educação, no sentido de efetivamente colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos.
Encerramos com um frase que sintetiza tudo isso:

"A medida da instrução não é o que o professor pode ensinar, mas o que o aluno pode aprender". (Komenský)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradecemos seu comentário. Críticas serão sempre aceitas, desde que observado os padrões da ética e o correto uso da nossa língua portuguesa.

Já chegamos ao fundo do poço?

        A crise moral, política e financeira que se abateu sobre o nosso país não nos dá a certeza de que já chegamos ao fundo do poço....