Crédito da Imagem - paulolima.net
Numa
das empresas em que trabalhei, eu fazia parte de um grupo de treinadores
voluntários.
Éramos
coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima, e tínhamos até um
lema:
"Para
poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem me recordo, de
uma literatura do Senai). Um dia, nos reunimos para discutir a melhor forma de
ministrar um curso para cerca de 200 funcionários. Estava claro que o método
convencional: botar todo mundo numa sala, não iria funcionar, já que o
professor insistia na necessidade da interação, impraticável com um público
daquele tamanho.
Como
sempre acontece nessas reuniões, a imaginação voou longe do objetivo, até que,
lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um trecho do Sermão da Montanha como
tema do evento.
E o
professor, que até ali estava meio quieto, respondeu de primeira. Aliás, pensou
alto:
-
Jesus era peripatético...
Seguiu-se
uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o hiato pudesse ser quebrado
por alguém com coragem para retrucar a afronta, dona Dirce, a secretária,
interrompeu a reunião para dizer que o gerente de RH precisava falar
urgentemente com o professor. E lá se foi ele, deixando a sala à vontade para
conspirar.
-
Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto, disse a
Laura.
- Eu
nem diria de mau gosto, Laura. Eu diria ofensivo mesmo, emendou o Jorge, para
acrescentar que estava chocado, no que foi amparado por um silêncio geral.
-
Talvez o professor não queira misturar religião com treinamento, ponderou o
Sales, que era o mais ponderado de todos. Mas eu até vejo uma razão para
isso...
-Que
é isso, Sales? Que razão?
-Bom,
para mim, é óbvio que ele é ateu.
-Não
diga!
-Digo.
Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a desrespeitar a religiosidade alheia...
Cheios
de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e, quando já estávamos
sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas nem percebeu a hostilidade.
Já entrou falando:
-Então,
como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas e colocar umas 20
pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador teria de repetir a mesma
apresentação várias vezes, mas.... Por que vocês estão me olhando desse jeito?
-Bom,
falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de peripatético, veja bem...
-Certo!
Foi daí que me veio a ideia. Jesus se locomovia para fazer pregações, como os
filósofos gregos também faziam, ao orientar seus discípulos. Mas Jesus foi o
Mestre dos Mestres, portanto a sugestão de usar o Sermão da Montanha foi muito
feliz. Teríamos uma bela mensagem moral e o deslocamento físico... Mas que cara
é essa?
-
Peripatético quer dizer "o que ensina caminhando"
E
nós ali, encolhidos de vergonha. Bastaria um de nós ter tido a humildade de
confessar que desconhecia a palavra que o resto concordaria e tudo se
resolveria com uma simples ida ao dicionário. Isto é, para poder ensinar, antes
era preciso aprender. Finalmente, aprendemos. Duas coisas.
A
primeira é: o fato de todos estarem de acordo não transforma o falso em
verdadeiro.
E a
segunda é: que a sabedoria tende a provocar discórdias.
A ignorância
é quase sempre unânime.
Crédito:
Recebi
por e-mail de Mariza Brandimarti
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